SE ENXERGA!
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por Trendy Twins |
Era uma vez uma mulher que via um futuro grandioso para cada homem que a tocava... um dia ela se tocou. (Alice Ruiz)
Era uma noite fria de fim de outono, e eu estava debaixo do chuveiro num banho ecologicamente errado. Passava o sabonete pelo corpo tentando relaxar e... ops, o que é isso? Notei uma bolinha no meu seio esquerdo.
Lá pelos meus 20 anos criei o hábito de fazer o auto–exame das mamas, e, nesse banho, resolvi fazer um bem caprichado. Lá estava a tal bolinha, do tamanho de um carocinho de azeitona, indolor, no meu seio esquerdo.
A princípio não me preocupei, pois estava prestes a menstruar, e toda mulher bem sabe que a glândula mamária incha, fica dolorida e meio dura nesse período. Assim sendo, esperei a menstruação acabar, e refiz o auto-exame. A essa altura, já havia marcado consulta com meu Ginecologista, pois fazia uns 8-10 meses desde o meu último check-up. Fiquei um pouco assustada, afinal o inchaço da glândula havia sumido nitidamente, mas a tal bolinha continuava por lá. Mas havia diminuído, então não devia ser nada.
Fui ao médico, e ele me pediu os exames de sempre, incluindo o ultrassom de mama (que faz parte da Liga da Justiça da Prevenção do Câncer de Mama). Segui para o laboratório. Me lembro muito bem que a médica que fez o ultrassom não conseguia achar a bolinha, e por isso ficava me tranqüilizando. Mas apontei o local exato, e então ela encontrou uma massinha amorfa, sem contorno definido, pequenininha. Ela bem me disse que não havia de ser nada, mas, curiosamente, ali eu já sabia que era sim.
Voltei ao meu médico, que diante daquela imagem me propôs um acompanhamento apenas, pra ver se a bolinha crescia... Como é? Eu hein... Filho, tem histórico na minha família! Três casos, com tratamentos bem sucedidos por terem sido diagnosticados no começo, inclusive... Sou curiosa, prevenida, vamos logo descobrir do que é feito esse pretinho aí do ultrassom.
Assim sendo, fiz o exame de punção (onde é removido conteúdo de dentro do tumor através de uma agulha fininha, guiada pelo ultrassom – e não dói!), no dia seguinte ao meu 29º aniversário.
Dali pra frente foi tudo muito, muito rápido! Uma semana depois, eu estava com o resultado em mãos, na frente de um mastologista que nunca tinha visto antes, planejando a cirurgia que iria arrancar minha mama fora. Fiz o pré-operatório, e em mais 7 dias estava tendo alta, já sem mama, com prótese, depois de umas 10 pessoas diferentes tocarem meus seios em menos de 10 dias.
Contando assim, até dá um arrepio ruim. Mas na hora, no meio do furacão, tudo é muito claro! Tudo é muito simples e você tem apenas 2 caminhos: viver ou morrer. É você quem escolhe, porque nessa hora os conceitos de estar vivo ou morto mudam drasticamente! Vive aquele que, por mais capenga e terminal que esteja, saiba encontrar motivos pra sorrir e comemorar... Morre, aquele que, por mais saudável que se encontre, tenha a capacidade de reclamar do canto de um passarinho que o desperta em sua janela às 7 da manhã, ou então do calor do sol no céu azul lindo lá fora no caminho pro trabalho.
Eu escolhi viver!
E ali eu vi o meu futuro grandioso! Foi ali que aprendi a cuidar mais de mim do que dos outros, a enxergar o sol como a luz que ilumina as cores de Deus, a chuva como a água que nutre as coisas boas da vida e leva na enxurrada as ruins. Vi nesse toque o poder de cura de um sorriso, de uma palavra positiva. Num passe de mágica, tudo passa a ter lado bom e ruim, e eu escolhi ver tudo pelo lado bom.
Logo estava nas químios. Foram 8, pra derrubar mesmo. Durante horas ficava vendo aquele líquido entrar no meu corpo, mas ao invés de pensar naquilo como remédio, dor, sofrimento, olhava como uma segunda chance. Aquilo ali era a borracha pros meus erros, era a chance de começar de novo e fazer tudo certo dessa vez!
Claro que teve enjôo, dor, medo e choro! Mas não consigo lembrar dessas sensações com a mesma força com a qual me lembro dos risos, do carinho das enfermeiras, das palavras de apoio que ouvi no meio do caminho.
Ficar careca foi simplesmente terrível. O cabelo se jogou do alto da minha cabeça num único banho. Ao ver aqueles tufos saindo na minha mão, vi minha privacidade indo pelo ralo junto com a água do banho. Mas não fiquei mal por vaidade não, até porque me achei bem bonita careca (curiosamente nunca vi uma mulher careca que não tivesse a cabeça linda, redondinha!). O buraco era mais embaixo: a imagem de uma mulher andando careca na rua é SEMPRE associada a doença. Ninguém pensa numa química mal feita, numa implicação de trabalho (Demi Moore e Carolina Dieckman rasparam as madeixas pra encarnar suas personagens), numa opção fashionista ou ainda numa questão religiosa (iniciados nas religiões de origem africana também ficam carecas). É sempre a doença!
Ficar careca me obrigou a lutar pra me convencer todo santo dia que eu não era “pobrezinha, tão moça!” como diziam os olhares e expressões das pessoas por onde eu passava. Pobrezinha nada! Ricaça, milionária, afortunada, porque se não tivesse descoberto tão moça, jamais chegaria a ser "tão conservada" lá pelos 60.
Depois das 8 químios, vieram as 28 sessões de radioterapia, o inchaço, os quilos ganhos (não tem jeito! Se você é magra vai emagrecer mais, se é gordinha vai engordar mais!!!), e um pouquinho de depressão.
Quando a doença está ali, você não olha pros lados, você corre e só enxerga a linha de chegada onde tem uma faixa brilhante com a palavra "cura" escrita nela. Aí que, quando você chega ali, percebe que não é a chegada, não é o fim... Percebe que a qualquer momento, sem ter controle, você pode se ver em outra maratona cansativa. Então, bate um pouco de deprê, e um cansaço pela corrida exaustiva que vc fez sem sequer baixar a cabeça uma única vez!
Um ano após aquele tal banho, estava novamente no centro cirúrgico. Dessa vez, pra remover preventivamente a outra mama, e ganhar um par de air bags siliconados de 380ml de potência em cada turbina.
Cheguei aos 30 muito mais bonita, feliz, mulher, humana, gente. Ajudei quem eu pude, lutei como fui capaz, e aprendi que nunca chega o fim dessa luta, mas que isso não é tão ruim assim!
Aprendi que as cicatrizes que deformam meu corpo são os troféus que me lembram as lições e vitórias pelas quais passei.
Descobri que ser perfeita é impossível, inatingível para qualquer um, e que agradar a todos é impensável.
Descobri que ser poderosa e guerreira, que ser livre é ser capaz de reconhecer os próprios limites e respeitá-los. É devolver ao outro o problema e a responsabilidade que a ele pertencem, que mais ajuda quem dá a mão e caminha lado-a-lado do que quem caminha à frente resolvendo todos os problemas.
Aprendi a segurar os ponteiros do relógio, olhar para as crianças que crescem, a entender que existem vários tempos dentro do mesmo tempo.
Meu cabelo demorou pra crescer, usei megahair – que recentemente arranquei pra ser livre de vez. E cada centímetro que cresceu até agora foi tão comemorado como cada dia da vida que tenho escolhido ter.
Tudo isso graças a um hábito simples... me tocar!
É importante conhecer o próprio corpo, saber o que é novo nele e o que já está ali faz tempo. Dou minha vida a esse simples gesto, e exatamente por isso pedi às meninas do Trendy Twins, que, de alguma maneira, me permitissem entregar a vocês algo que poderá salvar uma outra vida como a minha.
Em tempo: mesmo que não viesse a falecer fisicamente da doença, eu estava mortinha da silva de tanto dar mais valor ao marido, família, trabalho, cachorro, periquito e papagaio do que a mim, ao meu sorriso, ao meu coração e à casinha da minha alma.
Se não fosse a doença, eu não me enxergaria como me enxergo hoje. Não cuidaria da minha felicidade, da minha integridade e do meu prazer como faço hoje. E, o que é morrer senão negligenciar a si mesmo??? Portanto, meninas.... se enxerguem! Se toquem! E, vejam para si mesmas um futuro grandioso!!!!